28 de out. de 2012

A CRIAÇÃO DO UNIVERSO (GÊNESIS 1: 1 E 2 E 3)




Como considerar a descrição em causa? Ciência, fábula ou revelação? Se, por ciência, entendermos a disposição sistemática dum ramo do saber, diremos, então, que a descrição nada tem de "científico". E ainda bem, pois se fosse utilizada a linguagem científica do século XX, como a entenderiam os leitores dos séculos precedentes? E mesmo os atuais necessitariam duma adequada preparação científica. Nesse caso ainda, não seria de prever que passados cem ou duzentos anos fosse já considerada antiquada aquela linguagem? A narração do Gênesis não foi, portanto, redigida em moldes científicos, talvez para melhor mostrar a sua inspiração divina. Poderíamos, entretanto, fazer a seguinte interrogação: - Não sendo científica quanto à forma, será a descrição do Gênesis científica quanto à substância, ou quanto ao conteúdo?.

Graves conflitos têm surgido entre prematuras conclusões da ciência e a afirmação científica da Escritura. Mas estudos ulteriores têm vindo provar que, por um lado, não eram válidas as conclusões científicas, ou, então, por outro, eram distorcidas as interpretações no texto.

Quanto a supor-se ou distorcer o texto da narração do Gênesis, quer no sentido popular, quer no sentido clássico, não é fácil de admitir-se. Pois no primeiro caso tratar-se-ia duma obra puramente imaginária, e, no segundo, duma exposição simbólica dum fato com certas verdades, que de outro modo seriam incompreensíveis. Trata-se, sim, duma narração dos acontecimentos que não seriam compreendidos, se fossem descritos com a precisão formal da ciência. É neste estilo simples mas expressivo que a divina sabedoria se manifestou claramente aos homens, indo assim ao encontro das necessidades de todos os tempos. Os fatos apresentam-se numa linguagem abundante e rica, que é possível incluir todos os resultados das pesquisas científicas. 

O primeiro capítulo do Gênesis não há dúvida da revelação divina. Pelas muitas versões, algumas delas correntes já entre os pagãos da antigüidade, é fácil concluir-se que esta revelação é anterior a Moisés. Não deve, no entanto, considerar-se como uma nova versão das tradições politeístas dos fenícios ou dos babilônicos; porque acima de tudo a obra criadora de Deus só por Deus poderia ser revelada. E essa revelação não deixou de ser preservada de qualquer contaminação pagã ou corrupção supersticiosa, encontrando-se perfeita e inviolável nos cinco livros de Moisés.

Sob o aspecto científico nada se sabe acerca da origem das coisas. Mas o certo é que a Geologia, através do estudo dos fósseis, vem confirmar, cada vez mais, as diferentes fases da criação que Gn 1 nos descreve pormenorizadamente. Baseados em motivos meramente teóricos, vários comentadores supõem que a criação original de Deus foi destruída por uma terrível catástrofe. Assim o verso 1 descreve o ato inicial de Deus, que deu a existência ao universo; o verso 2 o estado desse universo arruinado "sem forma e vazio", se bem que não se faça qualquer alusão à catástrofe provocadora dessa ruína; os restantes versos fazem uma análise da obra de Deus na reconstituição desse universo. Trata-se duma proposição, ainda hoje muito seguida, para resolver certos problemas que, no fim de contas, continuam solúveis, e é confirmada por fortes argumentos lingüísticos.

São duas as palavras com que a Escritura designa a ação criadora de Deus: “bara” (criar) e “asah” (fazer). A primeira é, sem dúvida, a mais importante, e aparece, sobretudo nos versículos 1, 21, 27, ou seja, quando se almeja frisar o início de todos os seres em geral, dos seres animados e dos seres espirituais, respectivamente. O certo é que não há possibilidade de exprimir, por palavras humanas, essa obra maravilhosa de Deus, que transcende toda a ciência, por muito profunda e completa que seja. O significado exato de “bara” é muito fácil  determinar. Numa das suas formas significava originariamente "cortar, separar" e passou a ser utilizada para indicar a ação divina de trazer à existência algo inteiramente novo. No vers. 1 a idéia de criação exclui materiais já existentes, podendo então dizer-se que as coisas foram produzidas "do nada". Mas nos versos 21 e 27 nada obsta a que se tenham utilizado materiais preexistentes. O principal é sublinhar o significado de “bara” que apenas supõe a produção dum ser, completamente novo, que antes não existia. 

E que dizer dos "dias" em que se operou a criação? Tratar-se de dias de 24 horas, uma vez que se mencionam tardes e manhãs, pois a história se apresentou a Moisés numa série de revelações, que duraram seis dias. Afirmações interessantes e curiosas, sem dúvida, suposições moderna, segundo a qual o "dia" representaria uma idade geológica. Para isso o sol, supremo regulador do tempo planetário, não existia durante os primeiros três dias; de resto, a palavra "dia" em Gn 2.4 estende-se aos seis dias da criação. A principal dificuldade que se levanta contra esta última interpretação é a alusão a "tarde" e a "manhã", mas existe a tentativa de admitir-se que a obra da criação figuradamente seja caracterizada por épocas bem definidas.

É espiritual e religioso o objetivo da narração de Gn 1. A formação dos seres vem manifestar as relações entre Deus e as criaturas de sorte que a fé as confirmará devidamente:

"Pela fé entendemos que os mundos pela Palavra de Deus foram criados; de maneira que aquilo que se vê não foi feito do que é aparente"
(Hebreus 11: 3).

Só o crente, portanto, compreenderá o alcance da narração; mas não admira por vezes surjam hesitações, perante as infundadas interpretações.

Mas a narrativa tem ainda um segundo objetivo: o de pôr o homem em contato com toda a criação, ou melhor, o de colocá-lo em posição de primazia perante todos os seres criados. Por isso vemos Deus a agir gradualmente na Sua obra criadora, que atinge, com a formação do homem, o ponto culminante dessa obra-prima de Deus.

Deus “elohim”. Muitas derivações têm sido sugeridas para esta palavra. Sua significação parece ser "aquele que deve ser reverenciado por excelência". O termo plural, “elohim”, é um plural de intensidade, algumas vezes chamado de plural de "majestade".

Gn-1.2 

Sem forma e vazia. A expressão hebraica (tohu wabhohu) contém algo de onomatopéico que parece significar: desolação e vacuidade. Em Is 45.18, onde aparece o termo “bohu” não contradiz aquele significado e dá a entender que Deus não abandonou a terra que criou:

"Não a criou vazia, mas formou-a para que fosse habitada".

O caos era um meio, não um fim. Disse Deus.

"Pela palavra do Senhor foram feitos os céus" (Sl 33: 6). Cfr. (Jô 1.1-3).

À tarde e a manhã. Atendendo à linguagem poética do texto, "manhã" não deve significar, aqui, a segunda metade do dia. O dia começava de manhã; seguia-se a tarde, e depois a manhã que seguia a tarde era o começo do segundo dia, que por isso terminava o primeiro.

Expansão. É a formação da atmosfera.

Produza. Trata-se da criação, não se exclui a intervenção divina.

Segundo a sua espécie. Comparando este vers. com os versos 12, 21, 24-25, fácil é interpretá-lo como se dissesse:

"Em todas as suas variedades", duma variedade dentro de certos grupos gerais.

Para sinais. Tomem-se aqui estes sinais no sentido astronômico e não astrológico, pois os corpos celestes determinam as estações e dividem o tempo.

O FILÓSOFO