Como considerar a descrição em causa?
Ciência, fábula ou revelação? Se, por ciência, entendermos a disposição
sistemática dum ramo do saber, diremos, então, que a descrição nada tem de
"científico". E ainda bem, pois se fosse utilizada a linguagem
científica do século XX, como a entenderiam os leitores dos séculos
precedentes? E mesmo os atuais necessitariam duma adequada preparação
científica. Nesse caso ainda, não seria de prever que passados cem ou duzentos
anos fosse já considerada antiquada aquela linguagem? A narração do Gênesis não
foi, portanto, redigida em moldes científicos, talvez para melhor mostrar a sua
inspiração divina. Poderíamos, entretanto, fazer a seguinte interrogação: - Não
sendo científica quanto à forma, será a descrição do Gênesis científica quanto
à substância, ou quanto ao conteúdo?.
Graves conflitos têm surgido entre
prematuras conclusões da ciência e a afirmação científica da Escritura. Mas
estudos ulteriores têm vindo provar que, por um lado, não eram válidas as
conclusões científicas, ou, então, por outro, eram distorcidas as
interpretações no texto.
Quanto a supor-se ou distorcer o texto
da narração do Gênesis, quer no sentido popular, quer no sentido clássico, não
é fácil de admitir-se. Pois no primeiro caso tratar-se-ia duma obra puramente
imaginária, e, no segundo, duma exposição simbólica dum fato com certas
verdades, que de outro modo seriam incompreensíveis. Trata-se, sim, duma
narração dos acontecimentos que não seriam compreendidos, se fossem descritos
com a precisão formal da ciência. É neste estilo simples mas expressivo que a
divina sabedoria se manifestou claramente aos homens, indo assim ao encontro
das necessidades de todos os tempos. Os fatos apresentam-se numa linguagem
abundante e rica, que é possível incluir todos os resultados das pesquisas
científicas.
O primeiro capítulo do Gênesis não há
dúvida da revelação divina. Pelas muitas versões, algumas delas correntes já
entre os pagãos da antigüidade, é fácil concluir-se que esta revelação é
anterior a Moisés. Não deve, no entanto, considerar-se como uma nova versão das
tradições politeístas dos fenícios ou dos babilônicos; porque acima de tudo a
obra criadora de Deus só por Deus poderia ser revelada. E essa revelação não
deixou de ser preservada de qualquer contaminação pagã ou corrupção
supersticiosa, encontrando-se perfeita e inviolável nos cinco livros de Moisés.
Sob o aspecto científico nada se sabe
acerca da origem das coisas. Mas o certo é que a Geologia, através do estudo
dos fósseis, vem confirmar, cada vez mais, as diferentes fases da criação que
Gn 1 nos descreve pormenorizadamente. Baseados em motivos meramente teóricos,
vários comentadores supõem que a criação original de Deus foi destruída por uma
terrível catástrofe. Assim o verso 1 descreve o ato inicial de Deus, que deu a
existência ao universo; o verso 2 o estado desse universo arruinado "sem
forma e vazio", se bem que não se faça qualquer alusão à catástrofe
provocadora dessa ruína; os restantes versos fazem uma análise da obra de Deus
na reconstituição desse universo. Trata-se duma proposição, ainda hoje muito
seguida, para resolver certos problemas que, no fim de contas, continuam
solúveis, e é confirmada por fortes argumentos lingüísticos.
São duas as palavras com que a
Escritura designa a ação criadora de Deus: “bara” (criar) e “asah”
(fazer). A primeira é, sem dúvida, a mais importante, e aparece, sobretudo nos
versículos 1, 21, 27, ou seja, quando se almeja frisar o início de todos os
seres em geral, dos seres animados e dos seres espirituais, respectivamente. O
certo é que não há possibilidade de exprimir, por palavras humanas, essa obra
maravilhosa de Deus, que transcende toda a ciência, por muito profunda e
completa que seja. O significado exato de “bara” é muito fácil determinar. Numa das suas formas significava
originariamente "cortar, separar" e passou a ser utilizada para
indicar a ação divina de trazer à existência algo inteiramente novo. No vers. 1
a idéia de criação exclui materiais já existentes, podendo então dizer-se que
as coisas foram produzidas "do nada". Mas nos versos 21 e 27 nada
obsta a que se tenham utilizado materiais preexistentes. O principal é
sublinhar o significado de “bara” que apenas supõe a
produção dum ser, completamente novo, que antes não existia.
E que dizer dos "dias" em
que se operou a criação? Tratar-se de dias de 24 horas, uma vez que se
mencionam tardes e manhãs, pois a história se apresentou a Moisés numa série de
revelações, que duraram seis dias. Afirmações interessantes e curiosas, sem
dúvida, suposições moderna, segundo a qual o "dia" representaria uma
idade geológica. Para isso o sol, supremo regulador do tempo planetário, não
existia durante os primeiros três dias; de resto, a palavra "dia" em
Gn 2.4 estende-se aos seis dias da criação. A principal dificuldade que se
levanta contra esta última interpretação é a alusão a "tarde" e a
"manhã", mas existe a tentativa de admitir-se que a obra da criação
figuradamente seja caracterizada por épocas bem definidas.
É espiritual e religioso o objetivo da
narração de Gn 1. A formação dos seres vem manifestar as relações entre Deus e
as criaturas de sorte que a fé as confirmará devidamente:
"Pela fé entendemos que os mundos
pela Palavra de Deus foram criados; de maneira que aquilo que se vê não foi
feito do que é aparente"
(Hebreus 11: 3).
Só o crente, portanto, compreenderá o
alcance da narração; mas não admira por vezes surjam hesitações, perante as
infundadas interpretações.
Mas a narrativa tem ainda um segundo
objetivo: o de pôr o homem em contato com toda a criação, ou melhor, o de
colocá-lo em posição de primazia perante todos os seres criados. Por isso vemos
Deus a agir gradualmente na Sua obra criadora, que atinge, com a formação do homem,
o ponto culminante dessa obra-prima de Deus.
Deus “elohim”. Muitas derivações têm
sido sugeridas para esta palavra. Sua significação parece ser "aquele que
deve ser reverenciado por excelência". O termo plural, “elohim”, é um
plural de intensidade, algumas vezes chamado de plural de
"majestade".
Sem forma e vazia. A expressão
hebraica (tohu wabhohu) contém algo
de onomatopéico que parece significar: desolação e vacuidade. Em Is 45.18, onde
aparece o termo “bohu” não contradiz aquele
significado e dá a entender que Deus não abandonou a terra que criou:
"Não a criou vazia, mas formou-a
para que fosse habitada".
O caos era um meio, não um fim. Disse
Deus.
"Pela palavra do Senhor foram
feitos os céus" (Sl 33: 6). Cfr. (Jô 1.1-3).
À tarde e a manhã. Atendendo à
linguagem poética do texto, "manhã" não deve significar, aqui, a
segunda metade do dia. O dia começava de manhã; seguia-se a tarde, e depois a
manhã que seguia a tarde era o começo do segundo dia, que por isso terminava o
primeiro.
Expansão. É a formação da atmosfera.
Produza. Trata-se da criação, não se
exclui a intervenção divina.
Segundo a sua espécie. Comparando este
vers. com os versos 12, 21, 24-25, fácil é interpretá-lo como se dissesse:
"Em todas as suas
variedades", duma variedade dentro de certos grupos gerais.
Para sinais. Tomem-se aqui estes
sinais no sentido astronômico e não astrológico, pois os corpos celestes
determinam as estações e dividem o tempo.
O FILÓSOFO